quinta-feira, 25 de dezembro de 2008


25

Estou órfã
de certos instantes!
Moro nas águas abissais,
e os peixes estão verdes,
não posso aventurar-me
mais nesse mergulho:
não sei nadar,
assim como não sei
navegar.

Maria Maria

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008











Natal no Seridó


O terreiro bem varridinho,
a vassoura encostada à janela da casa,
Bom-dia e Boa-noite saudando a todos,
o pote cheio, o caneco areado e
brilhando, a chaleira em cima do fogo
de brasa, a cama bem forrada com uma
colcha de fuxico, um vestido de chita
engomado e no camiseiro para a missa
da noite santa, um chapéu de couro
pendurado num mourão, uma imagem
de Nossa Senhora e o Menino Jesus na parede
enfeitada por um rosário de contas azuis,
um gato dormindo no tapete de retalho, um
chocalho sininando, um galo anunciado:

É Natal no Seridó.

Maria Maria

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Entre dois garfos

O espaço mínimo e fino dessa dimensão é o que me torna – um pouco – clariciana. Como dividir, já dividido, os átomos entre dois metais de textura e forma iguais? E como ser repetitiva num tempo em que a repetição não é mais um modelo de parceria?

Reitero. Reitero sempre e sempre me renovo como o copo de leite nascido no meu jardim de inverno – nesta terra de verões. Branco e virgem, taludo, gomoso. Primeira imagem de broto vesperado.

Aos poucos, nasce o verde que desafia o tempo e cresce intenso na sua missão de ser sempre a cor que o coração deseja.

No momento não consigo abstrair respostas do meu livro como os místicos. Acho- me perdida entre as páginas ou as respostas são parábolas para a minha mente pouco sagaz.

Juntaremos os garfos? Diminuiremos o espaço entre as fortalezas de metal? Ou faremos as construções parnasianas? Se colocarmos os garfos à prova do fogo, quem sabe não faremos deles um só garfo ou, ao final do processo de moldar o ferro ou o ouro não tenhamos construído um interessante poema parnasiano?



Maria Maria

sábado, 6 de dezembro de 2008

Meu olho-rio

Navego ao amanhecer
pelo meu corpo:
canyons se formam em estruturas
geo-poéticas,
pedras míninas se transformam
em diamante,
folhas deitam-se sobre minhas
águas,
cipós passeiam sobre minha carne
(entre o dormir e o acordar).

Meu olho-rio rir
desse estado. Acho
um riacho de poesia.

Maria Maria

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008


Lua sensual

Nunca vi
uma bunda-lua,
talvez tenha visto
uma bunda-nua
como a do cavalheiro
que se fez sol sobre mim.

Maria Maria

sábado, 29 de novembro de 2008

Dúvidas

Às vezes duvido do poder
do pensamento
e, tal qual pássaro amarelo,
duvido do azul do céu,
do brilho das estrelas,
do reflexo do sol,
do raio e da luz.

Duvido da ânsia
de ser humana no universo
da mulher moderna.
Duvido da fúria do trovão,
da sede que sente o cacto,
da dor de tornar-me obsoleta
em décadas futuras.

Duvido do viço da minha pele
inabitada por fendas oblíquas,
do suor que desliza rio
pelo meu corpo.
Duvido do que sou nessa hora
sem tempo.
Duvido do tempo.

Tenho apenas uma única certeza:
Um poeta dorme em mim,
em dúvida.

Maria Maria

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Repetição

Os dias se repetem:
a chaleira sobre a brasa,
a água borbulhando no escuro,
o cheiro de calendário velho na parede,
a sede de molhar o lençol ao deitar,
a toalhinha íntima com a lua.
Os momentos se multiplicam como as folhas
daquela planta no jardim de verão da tímida casa.

Maria Maria

domingo, 16 de novembro de 2008

Poesia do desentendido

Pouco entendo de poesia,
mas vejo a lua engravidada
de êxtase.
Logo, escancaro minhas janelas.

Maria Maria

Poema dedicado a Cirne e Castro, duas
almas livres do Brasil.

Poesia-nua

Precisava ver meu avesso:

li Pessoa, Rosa,
Ramos Rosa.
Li dos Anjos do céu
e da terra.
Li o Seridó com meu olho
nu de fêmea sertaneja.
Li Chico e Ojuara.

O avesso se escondera:
tirei a roupa.

Maria Maria

José Ferraz de Almeida Jr (Brasil,1850-1899) Moça com livro, 1879, MASP

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

O rio de todos

O rio
que abraça
a ponte
que aponta
para o poente
não é o mesmo
rio de Heráclito,
mas o de todos.

O rio me laça
com suas lembranças
cravadas nas pedras
brilhantes do Cruzeiro,
do navio estático,
próximo ao Pereiro
das Galinhas da Angola
(do Seridó).

O rio
é resiliente:
se preserva e se guarda
e se mantém perene
na memória.
Só me falta a chuva
para eu banhar minhas bonecas
às margens desse rio.

Maria Maria

segunda-feira, 3 de novembro de 2008


À décima hora

À décima hora
a boca do Seridó
se fecha como uma flor
de mandacaru:
os bichos
da terra e do ar
se olham noturnos
e se encerram necessários
como esse poema.

Maria Maria
Foto: As filhas de Raika: Rafa e Gabi

domingo, 2 de novembro de 2008

Seis da noite

Na ambigüidade do entardecer,
o tempo ruiu meus sonhos
e eu apaguei meus poemas.

sábado, 11 de outubro de 2008

Esse poema dedicado a mim merece fazer parte desse espartilho. Gracias!

Maria²

Maria ao quadrado
Maria Maria
Marias
mareando
a pluralidade da vida.
Não és só uma Maria
és duas,
deixando a singularidade de lado
para ser a estrela de dois focos.


Oreny Júnior 11.10.08

Mudança de rumo

Quero morrer por um tempo,
por uma eternidade quero morrer
e esvair-me em respiração:
pura, compassada, intensa.

Uma morte que eu preciso
ou que me precisa .
A morte na vida em vida
no sentido, na exatidão.

Quero morrer por um tempo
sem que o tempo me peça palavras
e não me meça, não tenho medida
para morrer.

Morro por querer viver
e com toda a chama da palavra amor
e com todo o ardor que sinto.
Quero morrer para viver.

Maria Maria

domingo, 28 de setembro de 2008


Crateras

Nas crateras do meu tempo
tu ocupas o pensamento,
ruindo meu coração.

Nas crateras do meu tempo
vais rompendo esse silêncio
que sufoca minha razão.

Nas crateras do meu tempo
eis ladrão do meu lamento
que rouba a minha ilusão.

Nas crateras do meu tempo
vais compondo, preenchendo
um tempo que não diz não.

Das crateras do meu tempo
vou tangendo o sofrimento
que assola a minha paixão.

Das crateras do meu tempo
eu liberto, eu rebento...
abro os olhos pra’imensidão.

Maria Maria

quarta-feira, 24 de setembro de 2008


Origem

Mandalas, mandalas
o mundo se avizinha
em círculos de tenra idade.

Maria Maria

sábado, 20 de setembro de 2008


Nudez

Tirei tudo de mim
nessa madrugada:
os brincos, os anéis,
as vestes de santa,
os terços, a calcinha
branca.

Maria Maria

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

ANÚNCIO CLASSIFICADO

Preciso urgentemente de um pintor:
que retoque,
toque,
pinte
o meu coração.

Preciso de um construtor
para ressurgir as ruínas

__ Vendaval que passou.

Preciso de flores na casa,
cortinas divididas

Um sino do vento
Pendurado à janela,
preciso!

Preciso de luzes de velas
para iluminar o telhado
e a mesa de jantar.

Preciso reconstruir
meu coração
com uma cama para amar

Preciso ser Cleópatra
e
em um tapete me enrolar.


Maria Maria

quarta-feira, 27 de agosto de 2008


Desejo de me perder

Vou me perder essa noite.
Não quero bússolas nem rosas
dos ventos.

Terei as estrelas, os sapos
e corujas com os olhos cheios
de lua.

Carregarei na sacola
um pouco do nada ou
tudo.

Abrirei as janelas,
Sininhos poderão entrar
com as bruxas.

Vou me perder essa noite
para me encontrar ao raiar do dia
deitada sobre uma cama de girassóis.


Maria Maria

terça-feira, 19 de agosto de 2008


Pousando

Já fiz a boa ação de hoje.
Já fui cortesã por uma noite
e já fui borboleta
em pétala de girassol.

sobre o vazio
Agora não me restam mais
dedos. Eles já sucumbiram
de solidão.

Maria Maria

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

De origem Seridó

Acho que sou de pano,
de cabelo de milho,
de bagem de algaroba,
de barro do Riacho,
de semente de algodão.

Acho que sou a goteira,
a noite e a tarde de chuva,
a aurora, a madrugada. Ou
uma boneca de pano
com sachê no coração.

Maria Maria

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Foda-se o mundo e quem vive nele

Fodam-se todos!
O ódio rasga meu peito,
sobe para a mente e me domina.
A dor que eu sinto é boa, gostosa, me fascina.
Porque os políticos mandam os pobres para
guerra em vez de irem eles mesmos?
Porque as cobras são discriminadas
porque tem veneno?
E os homens
que o veneno deles está na alma
sofrida, torturada. As mortes causadas
são piores que qualquer veneno
e mesmo assim não são discriminados.
E os negros, pobres, gays não têm direitos?
Fodam-se se todos!
Foda-se o mundo!
Vivi, cresci , envelheci, morri!!!
E nunca fui feliz!!!
Que mundo patético, cheio de ilusão!
Para que viver em um mundo
onde sonhos são apenas sonhos?
Rico: mesquinho, ganha tudo
sem fazer esforço e acha
que é melhor que os outros
a ponto de pisar em todos.
Pobre: trata bem os outros,
trabalha e sabe o sofrimento
que a vida lhe traz.
Pobre quando vira rico
muda o caráter,
fica sem amigos de verdade.
Se esquece que um dia foi pobre,
vira um mesquinho.
Rico quando vira pobre
aprende a valorizar,
não só aquilo que se tem,
mas o que está ao seu redor.
Humanidade miserável!
Cada vento é um grito,
pedindo ajuda, pois o mundo
está morrendo.
Guerras, fome, a humanidade
tem o dom de causar tristeza.
Amigos? Nunca os tive,
mas consegui sendo outra pessoa.
Mas o que isso provou?
Apenas que sou fraco.
Hoje em dia, viver não é mais um desejo
e sim um sonho ruim, esperando
que um dia eu acorde e esqueça que dormi
e que um dia eu sonhei....

Artur Gomes Guirra (14 anos)

sábado, 2 de agosto de 2008


UTOPIA

Às vezes ser pedra, queria: dura, firme e opaca. Queria ser, em certas temporadas, tão seca como uma folha outonal: stric, stric, stric...! Sem nunca ter sido primavera. Há horas em que eu gostaria de ser vidro para partir-me em fragmentos e deixar-me retesada sem a força do vento, impulsionando-me à frente. Tempo há em que a alma dilacera e o corpo chora, chora mesmo, pelos poros de uma tez amadurecida. E a chuva cai! Granizos rompem telhados que impedem uma noite de amor entre os gatos. Tudo na meia estação ou em um inverno de sentimento gélido, de amores mal amados. Mas, o verão me diz que a minha palavra nua sempre será perdoada e que, com ou sem gatos no telhado, terei uma linda noite de amor com meu parceiro imaginário.

Maria Maria

quarta-feira, 30 de julho de 2008

O instante

Que doce encanto,
o instante!

Nele, desfaço o compromisso
com o próximo segundo.

E te vejo canoa
às margens de um rio.

Maria Maria

segunda-feira, 21 de julho de 2008

É tarde, amado poeta!

Dormirei nua o sono das deusas
e acordarei girassóis do eterno
estado de adormecência.

Farei o sol girar em círculos
como lobos à caça de um beijo
e alçarei vôos como as gaivotas.

Não serei a escrava de um reino
escondido. Não serei.
Mas a rainha da janela.

Embora deseje-te à hora
em que o chão dorme, não
posso me dizer mais...

É tarde, não te canses do teu tempo.
Durma, nesse meio tom.
Durma, amado poeta!

Maria Maria

domingo, 13 de julho de 2008


Dia de sal

Esse dia de sal
me apavora,
assim como as procelas
em mar alto.

Assim como o medo
noturno em forma
de fogo no meio
do chão.

Esse sol que o dia
se nomeia é a dor
de quem espera
o ser amado na escuridão.

Maria Maria



segunda-feira, 7 de julho de 2008


Para os que pensam
tal qual os índios.

Círculos

Abençoados sejam
os trovões:

o brilho semiótico nas rochas,
o olhar selvagem do céu,
o êxtase dos brotos,
a sede de romper o chão,
a ponta do verde,
os círculos de fogo.

Abençoados sejam
os relâmpagos:

o germinar dos fios,
o deitar dos rebentos,
a ereção dos bulbos,
o sopro do vento,
a boca do tempo,
as vozes da manhã.

Abençoados sejam.

Maria Maria
(das tribos do Seridó)

sábado, 5 de julho de 2008

Silo de poesia

A poesia é
um silo
de amor
que se
constrói
ao longo
da existência
humana.

Maria Maria

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Esse poema é dedicado
ao erotismo sutil dos
poetas simbolistas.


A folha e a árvore

A folha folheou-se
na árvore.

Com a canção
de Eros, erotizou-se.

Colheu a folha,
a árvore.

E a bolha, de clara
virou gota.

E o gozo
era verde-folha.


Maria Maria


Foto: charquinho.blogs.sapo

domingo, 29 de junho de 2008

Sussurros
(em estado de perfeição)

Entre um sussurro e outro:

o ar em gotas,
a alma em chamas,
os montes negros,
a voz da cama,
o beijo alado,
peito calado
e as bocas clamando.

Salivando,
salivando...

entre um sussurro e outro.


Maria Maria

sexta-feira, 27 de junho de 2008

HAICAIS (POR ADOCÃO)
OU PSEUDOS


Ventre

Ui (!)
Fechei a porta
do meu ventre.


Cone

O teu cone cilíndrico,
arredondado faz–me
louca no teu cavalo alado.

A língua

A língua é um lençol
de seda que deita
e rola no meu desejo.


Lua

Embora seja tua
dê-me nua
a lua que te dei.

Zeus

São meus os teus
olhares que os trovões
apagarão.

Fome

Se a poesia me toma
e me deseja, é porque
sou fruta na tua mesa.

Deusa

Se deusa me tomas,
me usa! Mas bebes tu
o mel que te lambuza.


Maria Maria

terça-feira, 24 de junho de 2008


Retalhos

Linha e agulha:
sinto-me!

Costuro-me, cozinho-me
em zigue-zague.

Sou o próprio retalho,
a emenda, a trama.

Sou a cama, o lençol,
a fronha.

Sou a cocha e o traço:
sinto-me!


Maria Maria

sábado, 21 de junho de 2008

Dor do deserto

Meu chão reclama
a dor do deserto.
Mas não sou o deserto
dessa areia. Ou sou?

sexta-feira, 13 de junho de 2008

Não abrace.
Não beije.
Não force a entrada.
Destorça na investida os sobressaltos.
Pense bem antes de usar!
Meu coração
não aceita devolução.

Poema de Renato de Melo Medeiros, poeta do vale do Assu.

terça-feira, 10 de junho de 2008

Delírio ao amanhecer

Meus seios acordaram meninos.
Tão ausentes de sua essência,
involumosos,
tímidos,
miúdos.

Meus seios
(antes abóbada)
estavam virgens
de outras mãos,
olhares, desejos...

À noite
(quando a lua despertar)
meus seios tornar-se-ão
chumaço de puro algodão
e massa firme em delírio.

Maria Maria

sexta-feira, 6 de junho de 2008


Personificação

Meu marido acordou
meio gato:

tomou banho de língua,
bebeu leite no prato
e depois lambeu o tacho.

Pensei ser bobagem
acordar-se bem assim.

E eu, com certa delicadeza,
levei dentro da bandeja
meu ratinho de cetim.

Maria Maria

terça-feira, 3 de junho de 2008


Ignorância

Quando abro os olhos,
a dor me parece maior.
Então percebo em desalento
que o escuro, às vezes, é límpido
como o algodão.

Logo, abraço o sol
tal qual as janelas
no alvorecer do dia,
no ermo pardo do Seridó.
E vejo sonolenta:

A ignorância me dói menos.
E penso seriamente
em rasgar meus livros
e meus pensamentos ingênuos.
Penso, mas não o faço!


Maria Maria

quinta-feira, 29 de maio de 2008

Visão sobre o telhado



Não tenho telhados vermelhos
como Lisboa, ou de vidro
como o Louvre.


Minha arquitetura me permite
apenas ver o não dito sob o telhado
da choupana seridoana.


E tenho uma telha, um talhe
que se entorta a cada pegada de mim,
quando felina.


E tenho, o impossessivo.
O pouco de chuva que respinga
de minhas sendas.


E embora a pena de algum passarinho
desmai sobre meu leito,
tenho no peito, o pouco de mim.


Maria Maria

In Poetas vermelhos

Silêncio

Num ímpeto de buscar
o silêncio, refugiei-me
no útero da palavra.

E o silêncio, de vez!
Rompeu a pele do termo
e pariu-se de si mesmo.

Maria Maria

quarta-feira, 21 de maio de 2008

Meus pés e a liberdade

Quando meus pés acordam,
ainda limpando os olhos,
conseguem ver o invisível
que se fixa entre o real e o sonho.
Saem serelepes da cama,
entram na velha sandália de asas
e abraçam o mundo, como
se fosse só seu.

À noite, depois de roubar
o viço do dia, correm serpenteando
para seu lugar de aconchego:
lembram das vozes de outros pés,
da imagem de cada rosto,
do jeito sóbrio e lúgubre
de quem se esponja na palavra
o dia inteiro, e diz:

“Quero a extensão da minha liberdade”.
E, entre as letras e os fonemas
dormem o seu sono sagrado.



Maria Maria

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Agora e antes

Havia uma mulher
cigânica,
cavérnica
e
domadora.

Amante
e amada
(pelos cabelos).
Uma mulher
que não usava xampus.

Havia...

A mulher de agora
tem uma calcinha na bolsa,
um sutien de silicone,
uma tatuagem
e não mora numa caverna.

A mulher de agora
é surrealista,
feminista,
liberta, mas
nunca deixará de ser mulher.

Maria Maria

quarta-feira, 14 de maio de 2008

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Ponto final

Hoje não me interessa pensar,
nem mesmo pescar algum boto.

Não me interessam as suas agruras,
os seus desconsolos ou soluços roucos.

Chega de tanta mentira,
o meu choro já me basta.
Eu já me basto.

Maria Maria

Foto: http://bonne.intelligence.free.fr/Kamouniak/pastels%20et%20encres/images/tristesse.jpg

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Para a mãe que há em mim

E o tempo avermelhou
naquele turbilhão de calor:

barro se amoldando,
forma se formando,
círculo se arredondando.

A explosão!

Não era o mundo
das grandes descobertas.
Era a descoberta do mundo:

Mães!


Maria Maria
Foto: leiaorotulo.zip.net/images/momAG.JPG

sábado, 3 de maio de 2008

Olhares

Meus livros
vêem o retrato do tempo:
as nuvens em crisálida,
as asas se multiplicando,
o vôo dos sentidos.

Meus livros
olham a janela
e se embriagam
de poeira e luz.

Maria Maria

terça-feira, 29 de abril de 2008

Sem perdão
É assim que me sinto:

partida.

Preciso do encantamento
da próxima palavra,
do êxtase rebelde
do meu coração,
da alegria na alvorada.

Não quero conhecer
a palavra perdão.
Do jeito que erro
e sou refletida na dor,
dos que me afligem;
quero a prisão.

Maria Maria

domingo, 27 de abril de 2008

Para antes

Um cheiro de longe
traz a chuva:

molha a mão
e semeia.

Traz o pão,
mata a sede.

Encharca a alma,
lava o rosto da terra.

Abre os olhos
do tempo.

Um cheiro de longe
carrega-me para antes.


Maria Maria

quarta-feira, 23 de abril de 2008


Sete versos de asas

No passo, entre o espaço
da chuvarada,
segui os passos de Fred Astaire
e vi o que se quer
(mesmo sem querer).
E, numa noite enchuvarada,
tirei o visgo da madrugada.

O lenço meigo
de minha fala
no rouco tom do coração
no chão de ramas
(de alvoradas)
perdi o sono, foi-se o caminho
num leve vôo, na imensidão.
Leitos de sonhos

De rio se enche meu oceano
de águas e claras
re-banho.

Não viro o bote,
derramo
e nado

em leitos de sonhos.


Maria Maria

sábado, 19 de abril de 2008

Serras de Martins


Conhecer Martins no Rio Grande do Norte
foi uma grande alegria para mim e para
a escritora paraibana Maria José Mamede.
Estávamos visitando a cidade e participando
de um projeto educativo promovido pela
Secretaria Municipal de Martins, o que muito
nos honrou, porque tivemos a oportunidade
de conhecer a história de perto, apresentar
nossos livros, compartilhar as experiências
de palavras e se encantar com os valores
humanos e culturais, além de lavar as retinas
com a belíssima imagem das serras que
circundam a região. Foi muito prazeroso para nós.
Agora é a vez dos nossos amigos verem de pertinho
o esplendor da paisagem de lá e sentirem o friozinho
maravilhoso que caracteriza essa parte do nosso estado.

Maria Maria





sexta-feira, 11 de abril de 2008


Os açudes dançam a colheita futura e eu me festejo com flores mornas.

Eu me celebro como os ramos de jurema que se deitam sobre as águas.


Maria Maria

quinta-feira, 10 de abril de 2008


Sonho de moça

Nas madeixas,
margarida.

Na boca,
um carmim.

Nos pés:
sandália de rabicho curtida,
para a novena,
e reza aos domingos.

Na mão,
um rosário azul e branco.

No pensamento,
o encontro junto à porteira.

No desejo:
um rio de águas claras.
E a moça sonhando com um vestidinho
Prêt – à – porter.

sexta-feira, 4 de abril de 2008


Pedra molhada

Sempre que o meu mar
se exila:

pedra molhada,
grão solidão,
areia insone,
pé-de-vento,
porto inseguro,
lua vaga vagueia,
olhar marujo,
flor e bulbo,
osso e cão.

Sempre que o meu mar
se exila...

navego.


Maria Maria

sábado, 29 de março de 2008


Morada 1

Mora em mim
um todo de toda água,
um galho de algaroba
(que navega na enxurrada),
um pingo de orvalho,
Gargalheira em gargalhada.

Maria Maria

domingo, 16 de março de 2008

Pitomba

Aquele caroço de pitomba
travou-me:

engoli o seu afã de ser sempre doce
e lambi o tom opaco de teus dedos,
refiz a textura das minhas linhas
- diagonais-
e chupei,
mordi,
senti,
degluti...

engoli o seu afã de ser sempre doce,
mas nem sempre carrego açucar em minhas veias.

Maria Maria

Foto: Lúcia Passos

sábado, 8 de março de 2008

TRIGO

Só a mulher é trigo,

só seu ventre multiplica,

por isso é eterna!

Maria Maria

quinta-feira, 6 de março de 2008


Asa

Não sei se quero falar da perda da minha asa, da plumagem que dourava no sol e do brilho que resplandecia toda manhã.
Eu vi o sertão acordar em mim, logo que o amarelo-canário apontava no horizonte e vi minhas nuances alçarem vôo num desespero sem fim. Senti meus músculos tremerem no canto oblíquo da boca e uma pequena cachoeira se formando na esquina dos meus olhos. Tudo vi, mas recuei o choro e bloqueei a palavra.
A dor vinha rasgando a estrada como faz uma acauã quando voa rasante pelos caminhos de pedra e volta furando, bicando, abrindo fendas...
Às vezes, há solidões merecidas! E há aquelas que se instalam estrangeiras e fixam moradia por tempo indeterminado. Pior ainda, são as que carregam no braço um pergaminho, contendo os itens a serem observados naquela nova estadia atemporal.
Mas o tempo não é conivente com a solidão. Ele é nômade e livre. E já está na hora de querer a minha asa de volta.


Maria Maria

quarta-feira, 5 de março de 2008


Formato de folha

Tem formato de folha
a língua que falas quando:

à pele dos meus ouvidos dizes sons
de outras línguas orientais,
à boca de minha boca me leva
aos sertões ocidentais.

Quando a língua tem formato
de folha...

Maria Maria

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008


Um tanto miúdo de mim

Estou miúda:
entre a verdade e a ilusão,
entre os dedos-pernas da mão,
entre o inverno e o verão,
entre as notas da canção,
entre o sussurro de um não,
entre o muro e o paredão.

Estou mínina:
de palavra e solidão.

Maria Maria